14 janeiro, 2006

 

94. Tabaco, Secretas e manhas

O hábito de fumar, como tudo, vai evoluindo. Antigamente os fumadores compravam um livro de mortalhas, uma onça de tabaco e faziam eles o seu próprio cigarro.
O fazer do cigarro tinha o seu ritual. Uns faziam-no colocando na mortalha o tabaco que saia directamente da embalagem de origem. Há quem recorde as onças do «Duque». Outros, porém, metiam o tabaco numa espécie de bolsa de cabedal a que chamavam «pataca» de onde o tiravam batendo com o indicador para ele ir caindo.
Havia quem o metesse em folhas de couve para o conservar mais fresco. Alguns fumadores desfaziam a ponta do cigarro queimado (pirisca) para aproveitar o tabaco ao fazer do novo cigarro.
Depois de estendida a quantidade suficiente de tabaco na mortalha, enrolava-se a maior parte desta, passava-se a língua a todo o comprimento da ponta livre para a humedecer e colar ao enrolar completamente.

Para acender, tínhamos os fósforos portugueses, as “cerilhas” espanholas (fósforos que em vez de madeira tinham papel enrolado com cera), isqueiros com várias formas e feitios, com “morrão”, petróleo ou gasolina. Recorria-se ainda a um sistema mais artesanal: bastava o morrão, um seixo e um objecto de aço (costas de faca, navalha, foice, etc.). Colocava-se o morrão encostado ao seixo, percutia-se neste o objecto de aço, de forma que as “tchispas” fossem parar ao morrão e... pronto! Com o morrão acendia-se o cigarro. O morrão era um cordão que se adquiria na Espanha e que vemos enfiado nos isqueiros das fotos.



- Isqueiros com respectivo morrão.
O da esquerda mais singelo e o da direita de alguém, talvez, com mais posses.




Com o tempo, os cigarros já feitos foram dominando o mercado. Quem se lembra dos «Provisórios» e dos «Definitivos»?
No meio de tudo isto aconteceu uma coisa interessante ou talvez muito pouco interessante para os nossos conterrâneos. Estávamos na fronteira e o tabaco espanhol era mais barato embora de inferior qualidade. E, como preço é factor de peso, consumia-se muito tabaco espanhol. Por isso, de quando em vez, aparecia uma espécie de polícia à paisana (não fardados, à civil), encarregada de proteger o monopólio da Tabaqueira e de multar os prevaricadores. Não sei qual seria o nome desses agentes de fiscalização que entre nós só eram conhecidos pelo nome de «secretas». O pessoal odiava-os.
Quando, inesperadamente, davam volta à “folha” (campo), lá caçavam um ou outro mais desprevenido a fumar o seu cigarrito espanhol e (claro!) multavam-no. Só que, depois de se afastarem o suficiente, ouvia-se um grito:
- «Os do cu roto»!
Este grito ecoava e era retransmitido, por outros que o ouviam, de folha em folha. A partir de então já muito dificilmente apanhariam mais alguém.
Mas conta-se que alguns dos nossos conterrâneos deixavam aproximar os secretas, continuavam a fumar e... quando eles estavam mesmo perto... comiam a pirisca. Assim desaparecia o corpo de delito. Ouvi dizer que o ti Soia lhes pregara esta partida.


- Como se acende este esqueiro: Coloca-se o morrão encostado à cabeça rotativa do isqueiro percuntindo de forma que as “tchispas” cheguem ao morrão, acendendo-o e com este o cigarro. Este isqueiro não tinha gás. As "tchispas" eram provocadas pela roda ao passar pela "pedra" introduzida no isqueiro.


Quando se casou o ti António Ferreira, pai do ti Belmiro, “deitaram-se” cá (atacaram) aos secretas e eles tiveram de se refugiar no quartel da Guarda Fiscal. No meio da balbúrdia, partiram, com uma arma, uma perna ao ti Nadino. Por via disso estiveram uns tempos sem vir aos Forcalhos. Mas, obviamente, a questão deu em «justiça». Em consequência, o síndico (ou lá o que era) veio cá ouvir diversas pessoas. Interrogava ele, na presença do Professor Velho, o ti Vicente Jorge. Este na resposta contava que
«... íamos para casa da nôbia...»
O homem que conduzia o interrogatório não percebeu o que era isso de nôbia. O professor interveio para o esclarecer de que a nôbia era a noiva. O ti Vicente Jorge ouviu a explicação mas houve por bem acrescentar:
- «Nós cá é nôbia!»
Este dito ficou célebre e era lembrado e repetido quando alguém quisesse criticar ou corrigir alguma expressão ou costume.

Consta-me que nos Fóios também chegaram a correr os “secretas”.
Uma manhã apanharam, para o Valongo, o ti Zé Nunes e já o levavam preso. Nisto começaram a ouvir-se os sinos que tocavam para um casamento. Não sabendo do que se tratava e receando que fosse por causa do serviço que efectuavam, os secretas deixaram o nosso homem em paz e foram-se embora.

Todos conhecíamos fumadores inveterados. Um deles era o ti Barroco (pai do Joaquim, também já falecido) que vivia numa casa térrea na Rua da Quinta. A mulher, às tantas, resmungava e amaldiçoava o tabaco. Ele desculpava-se: - «Ó mulher, que é que queres? Eu lá faço os cigarros bem grossos a ver se acabo com ele!...» Mas havemos de falar mais do ti Barroco.

CHGJ

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Comments:
De tabaco não sei muito, mas ouvi muitas histórias do meu pai e do meu tio que iam ao contrabando pela albergaria, tentando escapar aos "crabineiros" e arranjando qualquer coisa por aquelas bandas. E o meu tio chegou a trabalhar nas plantações de tabaco pros lados da Serra da Gata.
 
Fumo também não é comigo. Só em algumas ocasiões de muita importância ou significado é que atiço uns "morteiros" desfrutando desse pequeno prazer que liberta cheiros que podem tornar-se muito incomodativos para a vizinhança (o que também tem sua piada).

Ísis, já andei para os lados da Serra da Gata, ainda que ao de leve, e fiquei surpreendido e encantado com a paisagem e com alguns dos povoados rústicos. Vale bem a pena uma visita.
 
eu também andei lá! com os meus pais. riqueza paisagística.
 
Então sabes bem do que falo. ;)
 
Que post SENSACIONAL, maravilhoso mesmo, pqp!
 
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